UM MOMENTO NO INCONSCIENTE: Um sonho em Gorki e uma realidade em Botticelli. Ou seria o contrário? E Magritte? Está fazendo o que aqui?

18-03-2011 00:18

 

Autor: Camila Prietto

De Gorki a Picasso a Magritte. A realidade em sonho se forma mesmo é na misteriosa dualidade de Botticelli, onde mora o mistério revestido de realidade. Cubista, abstrato, surrealista e biomórfico, Gorki pintava sua percepção pura, seu sonho acessado, seu trono coroado.

A humildade de um sonho represa um poder de sabedoria espiritual incontável. No inconsciente, aquele que é rei, ou se acha rei, não passa de ser humano a caminho do nada. Não passa do louco, á beira do abismo em caminhada confiante. No dia a dia da razão criamos couraças de aprisionamento que nos parecem ser esteios da confiança. Eu sou, eu posso, eu faço! O bordão do rei sem trono.

O NASCIMENTO DA VÊNUS, de Sandro Botticelli, é uma das pinturas mais conhecidas do mundo.

As couraças na maligna rainha Cálipa, sustentam o medo, e cria pilares com a ausência de sensibilidade e de confiança. Eu farejo isso, a Mestre nos adverte. Mas ficamos cegos com o brilho resplandecente da casca dourada da falta de humildade.

Se consciente e inconsciente estão intimamente ligados, não estariam os nossos sonhos tentando nos acordar para a verdadeira realidade? Estaríamos então, vivendo num mundo irreal? Criado, projetada e adaptado por Cálipa, a rainha que reluz, mas não é ouro, para não nos darmos conta da realidade verdadeira?

Passemos então a Picasso. Cubista, retratista, ceramista e puro. Assumiu que foram necessários oitenta anos para que pudesse pintar como uma criança. E pintou. Não como Gorki, que pintava o sopro essencial e manifestação primeira, Picasso retratava uma ponta de sonho e outra de realidade. Aquele fiozinho solto que nos intriga em sua obra, é onde liga a mãe e o pai, formando o filho próprio do conhecimento. O absurdo do detalhe atormenta?

Voltemos então a esse mundo físico, digamos de ilusão. À noite, momento solene do fato, nos separa então da realidade definitiva. Com o corpo em repouso, nossa alma fica livre. E por alma, não trato de filosofia ou religião, mas daquele estado puro e essencial que seria a menor partícula de nós mesmos. Aquela que não pode ser vista, mas como o ar, é 99% do todo.

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O Filho do Homem- 1964 Magritte

Nossos sonhos são formados de nossas experiências, vontades e pensamentos mais especiais. São fatos matemáticos jogados no inconsciente, que o recebe como um balão cheio de tinta, e pinta sua realidade em cores abstratas. E é ai, é assim que estes quadros abstratos nos retornam, na realidade essencial do sonho. E nos empurram suavemente à mudança.

Chamemos então René Magritte, o surrealista divertido, bem humorado e tantas vezes bizarro e suas conexões inusitadas. Mas não é exatamente assim a emoção? Um banho de impulsos desconexos, de dor, amor e angustia que sobem a temperatura do corpo a ponto de nos acreditarmos presos a uma gaiola vazia? Quem, em seu mais nobre momento não se emocionou com a maça ou foi desafiado por um comercial onde imagens e música eram dispostos exatamente pra te levar ali, ao choro, ao fraco, ao ventre? A traição das imagens não nos leva ao símbolo, mas ao emocional.

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Mulher com Livro - Pablo Picasso - 1932

Mas aquele que não tem a intenção de mudar, aquele, discípulo, amante e filho de Cálipa, provavelmente não detecta nada, não vê razão no surrealismo, não vê arte no cubismo e muito menos maestria numa loucura de Gorki. Coitado do pobre Picasso, "cuspido e escarrado" pelo inconsciente reativo. Sonhos proféticos? Providenciais, naturais ou pesadelos? Tanto faz. Quando se ousa sair dos domínios da rainha Cálipa e insiste-se em ver além de suas couraças, o quadro abstrato se forma com mais força, porem escorrerá, tornando-se num segundo momento o homem da cabeça de maça surrealista, para então, figurar-se como um Boccicelli, real e ao mesmo tempo misterioso.

De perto talvez um borrão, de longe, uma obra de arte. No todo uma bela paisagem, no detalhe a mesma mulher, os mesmos olhos, a mesma angustia. Na fogueira das vaidades, somos símbolos misteriosos de uma alegoria fictícia de realidade. Sonho ou realidade? Que venha a nós a ambiguidade fanática da fidelidade latente! Um sonho em Botticelli, uma realidade em Gorki. Estaríamos nós, trocando o diamante pelo carvão?

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Arshile Gorky - Enigmatic Combat (1904-1948)

"Por meio da arte comunico minhas percepções mais íntimas, minha visão de mundo."

 

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Perfil do Autor

Camila Prietto é atriz há quinze anos e integrante da Cia. Truks de Teatro de Bonecos há seis anos. A autora teatral com alguns textos encenados, se aventura agora pela literatura lançando o primeiro livre da Série Mestres da Luz. Mantém dois blogs, em que personagens da série mestres da luz e outros escrevem, comentam e contam sobre suas vidas.

camilaprietto.wordpress.com e tinaparamaiores.wordpress.com

Em abril será lançado o site: www.mestresdaluz.com.br com novidades, estórias, textos, personagens e jogos da série.

E também o site da autora: www.camilaprietto.com.br