"O Ateneu", uma obra-prima
Autor: Cleofas Reis
"O Ateneu", uma obra-prima
Cleofas Reis//Jornalista
cleofasdefariasreis@hotmail.com
Obra-prima é justo conceito para "O Ateneu", livro do fluminense Raul Pompéia, no entendimento dos críticos literários. Existem autores que com uma só obra imortalizam seu nome: é o caso desse romance cujo cenário, no Rio de Janeiro, foi o prestigiado colégio do qual o escritor abolicionista e republicano foi aluno quando adolescente..
Impressiona a habilidade de Raul Pompéia em valer-se do vernáculo, assim como a diversidade de vocabulário, valendo-se de termos que, embora hoje não mais ou pouco usados, eram do estilo à época em que escreveu, 120 anos atrás. Discute-se a opção do emprego de palavras raras. Machado de Assis, o nosso primus inter pares, surpreende por abrangência vocabular de certa forma discreta e nem por isso deixou de ocupar o degrau mais alto do nosso pódio literário. Mas se em "O Ateneu" o autor recorre a termos raros, o faz bem menos do que, por exemplo, de Coelho Neto, grande esculpidor de fraseado.
O mais forte do livro, amplamente autobiográfico, vem da elegância da narrativa, da perspicácia das análises psicológicas, da descrição dos choques nas visões do mundo de adultos e crianças, do poder da sátira. E também da ironia elevada, da exposição condenatória de padrões educacionais e da apresentação de um mundo que, se agora está longe cronologicamente, continua atual quanto a comportamentos sociais.
Já nas primeiras linhas, o escritor antecede o alto nível de explanação que nos espera, ao lembrar o dia em que seu pai o levou para deixá-lo, como interno, no "O Ateneu", do velho educador Abílio César Borges. Logo discorda de saudosistas que se inserem na visão retrospectiva do eu era feliz e não sabia: "eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros, que nos alimentam a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerado, a atualidade é a mesma em todas as datas". E mais adiante: "Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura pelo crepúsculo – a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida".
O escritor expõe, sempre usando estilo admirável, como lhe ocorreu passar de jovem religioso à condição de agnóstico. Cita meio jocosamente uma das contribuições para essa mudança: o fato de que, mesmo sendo cumpridor das determinações da igreja, não ter isso contribuído para obter boas notas no colégio. "Que custava à suma onipotência modificar em lição sabida uma ignorância sofrível, como transmutara em fartura sem conta uma miséria de cinco pães?" Mais adiante diz que alijou a metafísica "como um pesadelo" e dá realista veredicto da origem das crenças religiosas: "O fundo tranquilo e obscuro das almas, aonde não chega o tumultuar de vagas da superfície, inflamou-se de fosforescências; geraram-se as auréolas dos deuses, coalharam-se os discos das glórias olímpicas: as religiões nasceram."
Outro trecho que mostra o descortino da visão de Pompéia é relativo à conferência do professor Dr. Cláudio, que pinta um quadro pertinente da evolução do homem, desde o limiar da civilização até considerações superiores em torno da arte. É aí que faz resumos magníficos, dos quais vai esse exemplo: "o momento presente das gerações nada mais é que a ligação prolífica do passado com a posteridade". Em relação à história do desenvolvimento, ressalta tratar-se de "uma disciplina longa de sensações", pois a arte, para ele, é a manifestação do sentimento.
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